[EcoDebate] O texto a seguir contem respostas às perguntas formuladas por um jornalista preocupado com a situação dos mares.
1)
Qual é o panorama atual dos oceanos hoje? Há estudos sobre maior
concentração de poluição e perda de biodiversidade. Isso já ocorreu
antes, em outra época? É possível prever as conseqüências, a curto e
longo prazo, desta situação?
Como cientista posso disser que o panorama é preocupante.
Por suposto trata-se de uma
percepção que não é unânime na comunidade acadêmica internacional, pois
existem vozes discordantes que, embora admitam a existência de
problemas, confiam no avanço da ciência e das tecnologias para resolver o
problema da falta de sustentabilidade dos oceanos.
No entanto, não confio tanto na
onipotência da tecnologia e, defendendo minha visão, observo que na
medida que realizamos mais estudos dos ambientes costeiros e daqueles
mais afastados, como os de mar aberto (oceânicos) e das grandes
profundidades o quadro é de que estamos correndo uma carreira desigual
contra o tempo.
Ainda sabemos muito pouco e aquém
do necessário. Estamos num momento em que o ambiente marinho continua
sendo afetado, particularmente nas regiões próximas à costa, mas também
em regiões inesperadas de alto mar. Exemplo disso foi ter constatado
(através de imagens satelitais) um enorme acúmulo de lixo plástico
flutuante de todo tipo e constituído por pequenas partículas de
lentíssima degradação girando a sabor das correntes marinhas no oceano
Pacífico norte. A origem desse lixo são dejetos provenientes das regiões
costeiras e dos navios.
A contaminação e poluição em
escala crescente (como conseqüência do desenvolvimento demográfico e
industrial) tem afetado e modificado os ambientes costeiros, pois neles
é que se concentram os assentamentos humanos. Entre 50 e 70 % das
populações humanas encontram-se numa faixa costeira de 50 a 100 Km de
largura.
Essa ação antrópica compromete as
relações de fluxo de energia (fixação do Carbono através das plantas
marinhas e as relações entre os animais predadores e suas presas), entre
os compartimentos do ecossistema costeiro.
Dessa forma se perturbam ou
alteram irreversivelmente, ciclos biológicos e migratórios, da fauna
marinha, se desestruturam habitats reprodutivos e de criação assim como,
se modifica a dominância de uma determinada espécie em favor de outras. Muitas
vezes uma espécie de interesse comercial, explorada numa pescaria pode
ser deslocada/substituída por outra sem valor para o homem.
O ambiente marinho é, por
natureza, um ambiente altamente dinâmico e complexo onde as abordagens
reducionistas são, com freqüência, insuficientes e parciais para
explicar o que observamos. O estudo dos mares é, por excelência um
estudo interdisciplinar onde recorremos à física, química, biologia,
geologia, meteorologia e, mais recentemente, às ciências sociais e
econômicas.
Acredito que seja essencial
entender o comportamento humano em suas expressões sociais e econômicas.
A relação do homem com o mar é praticamente inseparável da história da
civilização ocidental e oriental.
No presente, o ser humano é um
usuário e “apropriador” dos “bens” (recursos pesqueiros e minerais como
gás, petróleo, areias, carbonatos, nódulos polimetálicos, água, etc.) e
dos “serviços” do ecossistema marinho (papel modulador do clima, ventos,
correntes marinhas, biodiversidade, defesa militar, equilíbrio dinâmico
da natureza e sua interação com a costa).
A percepção que o ser humano tem
do meio marinho é muito limitada, porque somos animais essencialmente
terrestres onde nossos sentidos como visão, audição, tato e olfação são
de valor limitado ou nulo no meio marinho.
O que vemos do mar com facilidade?
Apenas sua interface com o
continente, na costa, e depois uma superfície que se estende por
milhares de quilômetros de maneira aparentemente igual ocupando quase
71% da área do planeta que chamamos Terra.
Na verdade o planeta deveria ser
chamado de Planeta Água ou Azul como ficou evidente para os primeiros
astronautas. Nada vemos da coluna de água, do que está presente abaixo
dessa lamina de água formada pela superfície. Para “ver” esse ambiente
necessitamos de instrumentos, sensores, câmeras de TV, robôs submarinhos
e amostradores de todo tipo além das plataformas que transportam eles
(navios e/ou satélites).
No mundo emerso, temos maior
consciência e facilidade de percepção das planícies, pradeiras,
montanhas, bosques, florestas, seus animais, etc. Não é por acaso que o
grande cientista espanhol Ramón y Cajal (1852-1934) chamou o homem de
“animal óptico” já que é através da visão, nosso mais importante
sentido, que adquirimos informações e desenvolvemos consciência da
presença.
Foi sempre assim?
Eu acho que sim e até pior. Em 1883, Sir Thomas Henry Huxley destacado
cientista britânico (muito conhecido pela sua enérgica defesa de Charles
Darwin no meio científico da época) sustentava numa conferência que:.. “não importa o que homem faça ao mar, sua riquezas são inesgotáveis”… Essa visão, infelizmente limitada, se afirmou ao longo do tempo e era corrente até os anos 50 do século XX.
Entender o mar como uma fonte
imensa de recursos com capacidade para absorver dejetos, e sofrer todo
tipo de agressão era, e infelizmente ainda é, um conceito comum.
Pode-se explicar essa percepção
lembrando que no presente e no mundo desenvolvido, uma geração humana,
tem uma expectativa de vida entre 70 e 80 anos. Mas antigamente, a
expectativa era bem menor e, portanto, a memória coletiva de uma geração
era mais limitada com relação a um passado distante e até de umas
poucas décadas.
Muitos cientistas descrevem esse
fenômeno como “linha de base substituída”. Ou seja, as referências
espaciais e temporais que temos são limitadas e esquecemos, por exemplo,
como o mar era antes da revolução industrial, quando a tecnologia da
máquina à vapor (circa 1750-1800) ainda era desconhecida.
Hoje é sabido que o mar gerava e
abrigava uma riqueza biológica superior a presente e que a abundância
dos recursos pesqueiros era tal que deixa pálida a que atualmente
conhecemos. No entanto, é errado pensar que o homem antigo era capaz de
viver em maior harmonia com a natureza.
Registros orais primeiro e
escritos depois, alguns deles como os sagas nórdicos, dão conta de
antigas sobrexplotações de recursos pesqueiros, mesmo com a tecnologia
primitiva da época. De maneira análoga isso se aplica a muitos povos
nativos que destruíram ou esgotaram recursos terrestres e marinhos, o
que desmitifica a visão comum de que a sobrexploração é um fenômeno
moderno. Na verdade a humanidade convive com essas práticas desde longa
data.
Uma boa parte desse problema radica na conceição de que os recursos (e serviços) do mar são considerados como um bem comum, e até, patrimônio da humanidade.
Em 1968 Garret Hardin chamou a
atenção sobre o problema dos bens comuns que denominou de “tragédia dos
comuns”. Nessa situação, a exploração de um bem finito é motivada pelo
interesse pessoal sendo que o explorador age independentemente , porém
racionalmente, mas que coletivamente termina por destruir o bem comum. A
exploração dos oceanos como um bem comum não regulamentado (ou, quando existem tratados internacionais para uso e exploração que não são cumpridos) ilustra bem o caso.
Curiosamente (em termos
relativos) no meio continental existe maior consciência sobre a
necessidade de regulamentar o uso de bens e serviços ecossistêmicos
terrestres. Exemplo disso são os comitês de bacias hidrográficas para
cuidar da água, normas para uso dos solos (visando inibir a erosão e
degradação), uso da atmosfera (chaminés, ondas de rádio e TV, navegação
aérea, etc.), normas para exploração da madeira das florestas, etc.
No entanto, quando se consultam
as estatísticas de FAO, se observa que a pesar dos avanços tecnológicos
porém como conseqüência deles, a captura de pescado mundial vem caindo
desde 1980 a uma taxa próxima a 300 mil toneladas anuais. A pesca, em
essência, nada mais é do que uma forma de “caça aquática” e, portanto, é
uma atividade primaria de extração.
Países desenvolvidos, mesmo
aqueles onde a ciência pesqueira foi inventada e contam com sistemas de
governança, sofrem com a sobrexploração, esgotamento e até colapso dos
recursos pesqueiros.
Poucos países no mundo (algumas
pescarias de Canadá, USA, Nova Zelândia e Austrália) partiram para
alguma forma de “privatização“ do bem. Nesse modelo de propriedade do
bem, a autoridade pública outorga, mediante venda ou leilão, um direito
(geralmente anual) de exploração. Esse direito é limitado por uma quota
estabelecida de acordo com estudos científicos que avaliam o potencial
de renovação e a sustentabilidade do recurso.
Quais são as perspectivas?
Como em qualquer exercício de
futurologia, corre-se o risco de errar. No entanto, no presente,
parecem-me pouco auspiciosas. Falta ainda alcançar um maior grau de
conscientização do público em geral e dos tomadores de decisão em
particular. A lógica desenvolvimentista que tem dominado o cenário
econômico na grande maioria dos países conspira contra a conservação e
sustentabilidade dos recursos.
2) Por que não ouvimos falar tanto em programas de proteção de espécies marinhas (algumas até sob risco de extinção)? Há menos investimento na proteção dos oceanos? Por que?
As espécies que contam com algum tipo de programa de proteção são, em sua grande maioria, animais carismáticos (baleias,
delfins, tartarugas, aves marinhas, focas, etc.). Existem programas bem
sucedidos de conservação e diminuição de mortalidade acidental para
golfinhos, aves e tartarugas, particularmente no Caribe, Pacífico
oriental e Atlântico Sul.
No entanto, os peixes que poucas
vezes são vistos na superfície ou fora da água não recebem a mesma
atenção do público. Em geral, peixes, moluscos e crustáceos são vistos
apenas como fonte de alimento.
Nos últimos anos a mídia tem
divulgado muito os benefícios que traz para a saúde o consumo de
pescado, como fonte de omega 3 e 6 e de baixo colesterol o que, de certa
forma, é um estímulo para o consumo aumentando assim a demanda e a
pressão da pesca sobre os estoques.
Contudo, existem programas
internacionais de proteção (que recebem pouca atenção da prensa) para
proteção de espécies altamente vulneráveis por estarem em condições
críticas de sobrevivência. Um deles é o CITES (sigla em inglês para: Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora) que regula e até proíbe a comercialização de espécies terrestres e marinhas (tubarões, peixes, crustáceos e moluscos).
Acompanhando a preocupação de
consumidores conscientes (sobre tudo na Comunidade Européia, Canadá e
USA) tem-se estabelecido o selo “verde” ou ecológico para produtos de
consumo marinho que certifica a origem e também que a pescaria onde esse
produto foi capturado é sustentável. Infelizmente, constituem uma
minoria.
As Áreas de Proteção Marinha
(APM) são uma ferramenta importante que tem tido sucesso em vários
locais do planeta. Porém, se calcula que a extensão total (< 0,1%)
delas é bem menor do considerado como necessário (20% da superfície dos
mares). Existem diversos modelos de APM, desde os que proíbem todo tipo
de interferência humana até aqueles onde é permitido alguma atividade
como eco-turismo por exemplo.
Comparando com os ecossistemas
terrestres, existem poucos programas de proteção marinha. Não creio que
se trate de um problema de recursos financeiros e sim de repercussão na
sociedade como um todo.
3)
Há muitos projetos de exploração econômica dos oceanos, como o pré-sal
no Brasil, a prospecção de fármacos e a mineração. Quais são os impactos
dessa exploração? É possível reverter? Há discussões ou implantações de
salvaguardas ecológicas nos processos?
Efetivamente, os recursos
minerais do mar recebem mais atenção que os recursos vivos por razões
evidentes nas economias dinâmicas que se sustentam queimando
combustíveis fósseis e procurando fontes de energia como é o caso do
petróleo e o gás.
A mineração marinha
é muito menos desenvolvida no Brasil por ser mais recente e ainda de
altos custos frente a outras fontes exploráveis de minerais. Sem levar
em consideração as jazidas costeiras (areias, carbonatos) que são de
acesso relativamente fácil, as restantes (nódulos poli-metálicos)
ocorrem em águas profundas e pouquíssimos países desenvolveram
tecnologias sofisticadas para sua extração.
Sem dúvida, a exploração de petróleo e gás
são as atividades que tem maior potencial de impacto ambiental, como
ficou recentemente demonstrado no Golfo de México e, anteriormente, em
Alasca. No entanto, o maior número de acidentes acontece durante as
operações de transporte e remanejo de óleo cru, seja via navio ou
oleoduto submarinho. Quando mais perto da costa (terminais) maior o
impacto, pois é nas regiões costeiras onde se encontra a fauna e flora
mais rica, diversificada e vulnerável.
O impacto dos derrames de
petróleo é muito influenciado pelo tipo de ambiente onde acontece ou
aonde o óleo é levado pelas correntes marinhas e, também, pela natureza
do cru, sendo os chamados petróleos leves os menos impactantes. O
seguinte esquema resume as diferentes situações.
- Manguezais e marismas. Impacto pesado, com grande mortalidade de fauna e flora, modificando a abundância e comprometendo a produtividade. Recuperação : Lenta a moderada, a persistência do óleo prolonga a toxicidade.
- Estuário, baias e portos. Impacto pesado a moderado. Em geral depende da estação do ano e pode afetar seriamente migrações de peixes, crustáceos e aves, as vezes com fortes prejuízos para a pesca.
Recuperação : Rápida a lenta, depende da velocidade das correntes de entrada e saída desses ambientes e da morfologia das costas.
- Plataforma continental externa. Impacto leve a moderado. Leve sobre os microrganismos (plâncton) e severa sobre ovos, larvas e juvenis de peixes, moluscos e crustáceos. Recuperação : rápida para o plâncton por apresentar ciclos de vida curtos. Moderada a lenta para os organismos do fundo.
- Oceano aberto. Impacto leve. Organismos nadadores costumam evitar o local do derrame. Como as profundidades são grandes costumam não afetar os organismos do fundo. Recuperação : rápida, devido à velocidade da dispersão e degradação do óleo.
Existem salvaguardas que devem ser rigorosamente seguidas.
Dessa forma, muito depende dos mecanismos de controle e fiscalização. É
oportuno destacar que muitas companhias de seguro, que dão cobertura
para esse tipo de danos ambientais, são as principais interessadas no
cumprimento das salvaguardas.
Existem protocolos
que visam a minimização de acidentes nos procedimentos para
perfurações, captação, processamento em plataformas e transporte até
facilidades em terra. Esses protocolos levam em conta o tipo de petróleo
(leve ou pesado; percentual de enxofre), vias de navegação, regime de
ventos, espetro de correntes marinhas (direção e velocidade),
profundidade do poço, presença de fauna, rotas migratórias da fauna,
etc.
Contudo, acidentes sempre irão
acontecer, seja por falha humana, mecânica, ou evento climático
inesperado. A história mostra que a falha de origem humana
é responsável pela maior parte dos acidentes com alto impacto. Surge
então, que resolver ou amenizar esse problema necessariamente tem que
passar por rigorosos programas de treinamento e controle das dotações
das plataformas e tripulações das embarcações.
Ainda, sabe-se hoje que a vida marinha também constitui uma fonte para princípios ativos da indústria farmacêutica. Dessa forma, quando temos perda de bio-diversidade, equivale a perder novos medicamentos potenciais.
4) Os oceanos podem intensificar ou reduzir o aquecimento global? Como?
A molécula de água tem altíssimo poder para conservar calor.
Deve-se lembrar que os oceanos (sem considerar o gelo das calotas
polares) tem 96,5% de toda a água do planeta, portanto, sua capacidade
de amortecer as variações térmicas da atmosfera é enorme.
Por isso se afirma que os
oceanos, com uma profundidade media de 4000 m, tem um papel fundamental
na regulação do clima, pois eles redistribuem o calor através do
transporte das correntes marinhas. Mediante a evaporação, reabastecem
em forma de vapor, a água que precipita como chuva na terra emersa
(aprox. 9%) e no próprio mar (91%). Além de água e calor os oceanos também guardam dióxido de C (CO2) e são responsáveis pela circulação dos mesmos por todo o planeta.
Quando a superfície da terra
resfria ou esquenta pelo calor do sol, a mudança e amplitude de
temperatura é muito mais rápida na terra do que no mar, portanto, uma
conseqüência disso é que o mar refrigera a terra quando ela está quente e, ao contrario, quando está fria.
A radiação solar que chega à
Terra atravessa a atmosfera sem nuvens e atinge a superfície a terra e
do mar. Uma parte da radiação é re-irradiada para o espaço como radiação
infra-vermelha (RIV). O CO2 presente
na atmosfera captura esta RIV e a redireciona novamente para a
superfície, assim aumentando a temperatura. Este processo natural é
conhecido como “efeito estufa” (EE). Além do CO2 de
origem biológico (respiração dos seres vivos na biosfera) temos a
contribuição antrópica pela queima dos combustíveis fósseis (petróleo),
queimadas e diferentes processos industriais.
O EE é essencial para
o equilíbrio de calor no planeta e, sem dúvida, ele possibilita a vida.
Porém, com um excesso de EE a água poderia ferver e sem EE ela poderia
congelar. Ou seja, existe um delicado equilíbrio entre luz solar,
concentração de CO2 e calor que não pode ser quebrado.
É possível reverter o processo de aquecimento?
A resposta a esta pergunta não é simples. Se acredita que a capacidade dos oceanos para absorver CO2 seja grande porque as plantas marinhas dele se aproveitam para gerar biomassa através da fotossíntese (produzindo O2 ). Entretanto o CO2 também
é responsável pelo grau de acidez da água (pH) pois interage com o
ciclo do C e com um equilíbrio muito sensível do ácido carbônico na água
marinha que interfere nos processos de calcificação (ou
descalcificação) que pode afetar os corais.
Este processo de interação do CO2
é responsável pelo grau de acidez da água de mar (pH). Em situação
normal o pH é levemente alcalino (próximo a 8), mas com um excesso de CO2
o pH se desequilibra e torna-se ácido (pH inferior a 7). Dessa forma
muitos processos vitais passam a ser afetados. Particularmente os corais
e outros animais que possuem esqueletos externos de carbonato de cálcio
Não existe um consenso firmado
sobre a reversão do processo. É provável que dentro de uma certa
amplitude os oceanos possam contribuir para atenuar o aquecimento, mas também é possível que fora desse intervalo o aquecimento deixe de ser amortecido.
- Quais são os fatores mais importantes que interferem na sustentabilidade dos oceanos (e da vida marinha)? A ocupação costeira seria um fator determinante? Existe legislação e fiscalização eficientes?
Parte desta pergunta já foi
respondida nos itens anteriores (questões da percepção e do bem comum).
No entanto, eu também acho que se pode questionar o próprio conceito de
sustentabilidade. Esta palavra hoje é presente no nosso cotidiano e em
muitas declarações de princípios de ação política na gestão pública e
industrial privada. Infelizmente, é muita vezes usada como um chavão sem
aprofundar o que ela implica.
Ela foi consagrada na conferencia
de Rio de 1992 e se destacou por conferir a essa noção uma
multidimensionalidade. Ou seja, de acordo com essa proposição a
sustentabilidade deveria ser buscada segundo a dimensão biológica,
tecnológica, econômica e social. Assim, quando um gestor ou tomador de
decisões tem que adotar uma medida administrativa que vise a
sustentabilidade de um recurso (ou serviço), ele deverá dar igual peso a
todas as dimensões (acima mencionadas).
Contudo, a história contemporânea
de gestão dos recursos pesqueiros (por citar um dos casos mais
relevante), mostra (tanto em países desenvolvidos como em vias de
desenvolvimento) que as considerações econômicas em primeiro lugar e as
sociais em segundo prevalecem sobre as outras dimensões da
sustentabilidade.
Com isso deixa-se de entender que
sem a sustentabilidade biológica as outras dimensões carecem de
sentido. As diferentes dimensões não tem o mesmo peso e de fato existe
uma hierarquia, pois é a biológica a que proporciona sustentação às
demais.
Ao não reconhecer a primazia da
sustentabilidade biológica, se posterga a solução do problema. No caso
da pesca pode-se resumir a situação à: existem muitos pescadores para recursos naturais cada vez mais escassos. É
freqüente ouvir e ler manifestações de autoridades políticas que adotam
um discurso desenvolvimentista e ao mesmo tempo invocam a
sustentabilidade, como se fosse possível um crescimento permanente da
produção.
A ocupação costeira
em sim não é um problema, visto a dependência histórica, tecnológica e
cultural do ser humano pela região costeira. O que sim é problemático é
a ocupação costeira desordenada.
No Brasil, o Projeto Orla e o
Programa GERCO (Gerenciamento Costeiro) tem sentado as bases legais para
a ocupação e gestão dessa zona costeira. Brasil tem 17 estados
litorâneos, com cerca de 395 municípios com faixa litorânea marinha. Os
instrumentos de gestão existem e estão consagrados nesses programas que
tem um caráter descentralizador. Estados e municípios são os que devem
traçar, dentro das orientações normativos do GERCO, os respectivos
programas locais de gestão da zona costeira. Aqueles municípios com
melhores quadros de profissionais aplicam e controlam os planos de
gestão, porém seu número é ainda insuficiente para as necessidades do
país como um todo.
Recentemente, minha universidade
(FURG) lançou o primeiro programa de pós-graduação em Gerenciamento
Costeiro, visando atender a deficiência apontada acima.
- Quais são os desafios para evitar a superexploração de espécies marinhas, a intensificação de fenômenos climáticos (como La Niña e El Niño), e descoloração dos corais, enfim, que medidas devem ser tomadas para que não terminemos com a vida de nossos oceanos?
Evitar a sobrexploração das espécies marinhas
requer uma mudança de paradigma, que passa pelo reconhecimento dos
limites naturais dos ecossistemas, controle do aumento demográfico das
populações humanas e reconhecimento das limitações tecnológicas.
Sucessivos e expressivos aumentos
da capacidade de exploração dos recursos do mar (vivos e não-vivos)
sempre se apoiaram em aumentos do poder de exploração sustentado por
avanços tecnológicos que prometem resolver alguns problemas mas, também,
criam outros novos.
Fenômenos como “El Niño“ e “La Niña”
são naturais e hoje se sabe que existem desde longa data e, até onde eu
sei, não existe ainda uma explicação clara que identifique sua causa
primária.
A descoloração dos corais
(ou branqueamento, como é mais conhecido) ocorre porque morre a alga
que sustenta o pólipo do coral. Nesta associação tão peculiar entre um
ser vegetal (a alga) e um ser animal (o pólipo) a primeira fornece,
através da fotossíntese, o oxigênio que o pólipo utiliza em sua
respiração. Ao morrer a alga (diversas razões foram mencionadas para
isso) o pólipo não mais respira e com isso o coral perde sua parte viva e
apenas resta o exoesqueleto calcário de cor branca (de ai o nome que
recebe o processo).
É um fenômeno mundial preocupante
que se acredita esteja acelerando como resultados de um processo com
causas antrópicas e também naturais. Entre as causas mencionadas
encontram-se, aumento da radiação ultravioleta, acidificação da água
(que diminui o pH), aumento do material em suspensão na coluna de água,
que diminui a penetração da luz e com isso os níveis de fotossíntese das
algas ou ainda o “afogamento” dos pólipos (esta causa é particularmente
evidente em aqueles recifes de corais próximos à zona costeira),
exploração excessiva dos peixes coralinos, emprego de explosivos para
pescar (freqüente nas Filipinas), etc.
Outro problema, não menos
importante, é o caso das chamadas “marés vermelhas”. Trata-se um
crescimento descontrolado de um determinado tipo de microscópicas
plantas marinhas (fitoplâncton) que produz toxinas que afetam
mortalmente à outros seres marinhos ou ao ser humano quando consome
produtos marinhos (por exemplo moluscos) que foram afetados por essas
marés.
Recebem o nome genérico de marés vermelhas
porque a água tem sua cor alterada, mas o vermelho não é a única cor
que pode ser encontrada. A proliferação desse fitoplâncton ocorre sob
determinadas circunstâncias de temperatura alta, forte radiação
ultravioleta e águas costeiras relativamente calmas e excesso de
nutrientes. As marés vermelhas são fenômenos naturais mas elas passaram a
proliferar com o aumento da poluição nas regiões costeiras, por causa
do lançamento de efluentes nitrogenados.
7) Podemos afirmar que os oceanos estão doentes? Eles têm a capacidade de se auto-regenerar? Podemos ajudar de que forma?
Sim se pode disser isso quando nos referimos às regiões costeiras
que são as mais impactadas. Já nas águas profundas e na superfície dos
oceanos abertos é difícil fazer essa afirmação porque ainda conhecemos
pouco desses ambientes e, também, falta-nos uma referencia temporal
contra a qual comparar.
No entanto, em ecologia é
necessário lembrar que as partes do ecossistema encontram-se todas
interligadas. Portanto, pode ser um excesso de otimismo acreditar que os
impactos sobre a região costeira não tenham repercussões nas regiões
mais distantes.
Muitos sistemas vivos, terrestres
e aquáticos, exibem capacidade de recuperação, mas temos que entender
como funcionam e sobretudo proporcionar tempo para que isso aconteça.
Obviamente isso implica numa espécie de “moratória” que poupe as
agressões e alterações.
Segue-se então uma reflexão. Como
na sociedade presente, com claros postulados de desenvolvimento
econômico, seria possível articular desenvolvimento com conservação?
Este problema extrapola a questão
aqui tratada, pois pode-se observar as conseqüências que esse modelo
tem nos ecossistemas terrestres, na queima de combustíveis fósseis (não
renováveis), na excessiva dependência do petróleo como fonte de energia,
etc.
Como se pode ajudar? Com
educação, que ilustre e explique ao público a delicadeza das
intrincadas e complexas relações que são características dos
ecossistemas terrestres e marinhos. Deve-se informar que o sistema tem
um limite que não pode ser ultrapassado sob pena de levar ele ao colapso
ou a perda de suas funções produzindo bens (recursos) e prestando
serviços tão necessários para a humanidade.
"Prof. Jorge P. Castello é
professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio
Grande (conhecida como FURG), atualmente ministrando aulas de Introdução
a Oceanografia para alunos do 1o. ano e Parâmetros Populacionais
Pesqueiros da pós-graduação desta IES."
Fonte: Eco Debate
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