segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O Extermínio dos índios do Ceará e da Ibiapaba



Pelos vestígios humanos encontrados nas regiões de Pacujá, Alcântara, Cariré, Crateús, Sobral, Ipu e Serra da Ibiapaba, o “Sia-rá” era habitado há milênios por povos não evoluídos e que viviam migrando de um lugar para outro, alimentando-se de raízes, da caça e da pesca. Andavam nus e
usavam sobre o corpo pinturas estranhas como símbolo da sua cultura. Os índios do litoral viviam em constante atrito com os índios do sertão disputando território e alimentos (caça frutos e legumes...).
Os povos do alto sertão viviam mais isolados que os do litoral e, portanto, eram mais bárbaros e falavam línguas estranhas, que eram completamente desconhecidas mesmo aos índios tupi de todo o litoral do País. Apesar de bravos, os índios do sertão eram incomparáveis as Tribos bravias da até então desconhecida Serra da Ibiapaba, considerada uma muralha inviolável e perigosa que abrigava entre outras tribos, os Tremembés e Tabajaras.

Até a chegada do homem branco as guerras ocorriam entre as tribos e entre elas adotava-se o bizarro costume de o vencedor aprisionar e devorar o guerreiro derrotado. Quase todas as Tribos adotavam um ritual simples: o guerreiro derrotado era tratado como um marajá durante meses. Comia do bom e do melhor e dormia com a mais bela índia da tribo. Quando o guerreiro estava gordo e psicologicamente satisfeito e feliz chegava à hora do abate e da grande festa na Tribo. O prisioneiro abatido era esquartejado e sua carne era distribuída obedecendo ao seguinte ritual: os guerreiros machos ficavam com as coxas e os braços, os velhos com os intestinos, os jovens mancebos (adolescentes) com as costelas e as mãos, e as jovens índias solteiras com o pênis e os bagos (testículos) para atrair a fertilidade no matrimônio. O destino da cabeça era objeto de decoração na aldeia, fincada numa estaca, exposta ao tempo como prova da bravura e coragem daquela tribo.          

Por volta do século XVII, quando portugueses, franceses e holandeses intensificaram as disputas por terras e poder, colonos e piratas eram despejados nas terras dos nativos para se apossarem das terras áridas do Sia-rá.

Sentindo o perigo se aproximar os índios decidiram abandonar as lutas entre si e formar uma confederação indígena para defender seus territórios. A confederação dos bárbaros contava com a participação dos índios do litoral, dos Tapuias, dos Canindés, dos Cara-tius, Quixelôs, dos Rerius, dos Ipus, dos Ararius e dos Inhamuns. As tribos bravias da Serra da Ibiapaba estavam de fora de confederação por que nenhuma tribo ousava escalar a grande muralha da Serra  Grande para negociar com as tribos que viviam “dentro da neblina e perto do Céu” como diziam as tribos do sertão.          

A Confederação indígena era grande, mas os povos do litoral avaliaram que sem a participação dos bárbaros que habitavam a Muralha as chances de vencer os invasores, bem equipados de espadas e armas de fogos eram pequenas. Com muita cautela decidiram cortejar as Tribos bravias da Muralha Grande se aproximando pela encosta do Ipu onde a tribo nativa de lá, por está mais próximo dos bárbaros, teria mais chances de subir a Serra para tratar do assunto. Deu tudo certo. Consciente do perigo que todos os nativos passavam os “habitantes da neblina” juntamente com as Tribos do sertão combinaram o dia do ataque ao inimigo.          

Como uma horda de “demônios” os nativos da temida Muralha desceram a Serra arrastando consigo as outras Tribos da Confederação e por onde passavam, matavam, queimava e destruíam as Fazendas de cana e de gado dos recém-instalados colonos portugueses às margens Rio das Garças (hoje, Rio Acarau) e do Rio Jaguar (hoje, Rio Jaguaribe). Não ficou pedra sobre pedra. A situação para os brancos ficou desesperadora, a ponto de o império português incentivar uma fuga em massa de todos os seus contingentes. Mas os colonos sobreviventes e mais teimosos acharam por bem não fugir dando-se por derrotados e preferiram armarem-se de forma mais ofensiva e aumentar o número de homens para poderem resistir e depois exterminar os bárbaros. A história logo registraria que a idéia de permanecer nas terras do Sia-rá não era muito boa. Logo aconteceu o que se temia: a onda bárbara desceu novamente a Serra e percorreu os sertões, incendiando, saqueando, destruindo, matando qualquer estranho que estava no caminho. Dezenas de povoados fundados por brancos ou por mamelucos caíram ante a ação dos “selvagens”. Os brancos abatidos viraram churrascos nos banquetes dos selvagens e deram origem a vários pratos exóticos: português na brasa; português ao molho; português apimentado e seco ao sol; miúdos de português cozidos, etc.          

Derrotados de forma bárbara o império de Portugal resolve organizar um exército de índios mansos de São Paulo, de mamelucos e de soldados bem treinados. A ordem era matar sem piedade os “comedores de gente”. Com armas modernas: espada, carabinas e canhões, o exército comandado pelo império português marchou para a região com sede de vingança. A guerra durou décadas, mas a vantagem das armas dos europeus fazia a diferença nos combates, e aos poucos, os índios das planícies do sertão foram caçados como feras, escravizados e exterminados de forma impiedosa. Os índios mais jovens e fortes foram vendidos aos colonos dos povoados de Sobral, Fortaleza e Maranguape.  O destino das mulheres variavam conforme a idade. Se fosse idosa era destinada a imediata execução; se fosse jovem e sexualmente atraente, prestava-se como escrava sexual de uma horda de “homem-fera”. Uma índia pré-adolescente ou adolescente era estuprada numa seqüência por 30 homens depois vendidas como escravas. As crianças pequenas eram abandonadas no mato para morrer de fome.          

Exterminados as tribos do sertão, restava às bravias Tribos da Ibiapaba que na sua trincheira natural metia medo aos exércitos mais bem treinados. A estratégia foi mandar buscar mais armas e gente em São Paulo já que subir a Serra sem o máximo de tecnologia armamentista era uma espécie de suicídio. Somente quando chegou o reforço de armas e de homens foi que se iniciou a escalada invasora da Ibiapaba pelo trecho do Ipu. No primeiro momento de confronto, as tropas leais à coroa portuguesa depararam-se com a feroz resistência dos bárbaros ao ponto do Capitão Mor bradar: “ Os animais estão em vantagem, recuar todos”. A posição dos índios era muita estratégica. Pelas duas laterais e pelo centro da bica do Ipu, numa altura de 150 metros os índios com ampla visão do inimigo descarregaram suas certeiras flexas, causando uma enorme baixa nas fileiras inimigas. Quando atacaram por outro flanco os portugueses se depararam com uma milenar escadaria esculpida no próprio paredão repleta de selvagens espreitados a espera do inimigo. Centenas de homens brancos morreram num curto espaço de tempo, a ponto de muitos combatentes do exército invasor baterem em retirada.           

Mas o exército da coroa portuguesa insistiu confiando nos estragos dos canhões e das suas carabinas. De fato aquelas armas estrondosas e cuspindo fogo causaram um forte impacto psicológico nos índios com efeito de intimidar os selvagens. Com a vantagem da tecnologia os invasores foram abrindo espaço e reduzindo a resistência das bravas tribos ibiapabana. Os combates duraram décadas até o impiedoso extermínio da última tribo. Os primeiros a serem aniquilados foram os Tremembés e por último os Tabajaras. Os poucos sobreviventes viraram escravos e deram origem a civilização mestiça que povoa hoje a Ibiapaba e os sertões do Ceará. E, poucas dessas pessoas sabem que suas origens estão associadas a uma complexa rede de crimes e de atitudes covardes promovidas há quatro séculos pelos bárbaros europeus que se diziam civilizados e a mando de seu Deus ocidental. Eliminado os nativos, chega os padres da Companhia de Jesus dando início a Missão da Ibiapaba retomando o trabalho abortado pela morte de Francisco Pinto na subida da Serra.          

Após o extermínio, a coroa portuguesa dividiu as terras em sesmarias e distribuiu aos colonos que fundaram as vilas de Sobral, Vila Nova del Rei Tamboril, dentre outras.

Um comentário:

  1. Muito bom, sabia da luta dos nossos pais, mas ler esse texto foi como se eu tivesse lá, vendo e sentindo. Nossos pais lutaram bravamente, e hoje devemos utilizar a arma da informação pra não deixar essas lutas cairem no esquecimento.

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